Outro dia me chegou uma pergunta curiosa no inbox do Instragram de alguém me perguntava se era verdade que aqui o aborto era permitido até o final da gestação… Disse que ouviu essa afirmação de uma pessoa na rede social “Club House”. Ela, óbvio, ficou assustadíssima e decidiu me enviar a mensagem no mesmo instante.

Polêmica, tabu e aborto são três palavras que andam de mãos dadas no Brasil. Há quem defenda, há quem condene. Cada um com base em suas crenças, histórias e realidades. Meu papel aqui não é me posicionar, muito menos levantar bandeiras e sim, contar para vocês (e para a moça do Club House caso esse texto chegue até ela) a história do aborto na Finlândia e como funciona a lei nos dias de hoje.

Um pouco de história


Até a década de 50 o aborto era permitido apenas em casos em que o feto e/ou a mãe estivessem em risco. Nessa época estamos vivendo uma Finlândia pós-guerra em que a figura da mulher na sociedade era vista como “cidadã materna” e as mulheres costumavam se orgulhar de serem trabalhadoras, resilientes e cuidarem não somente de suas famílias, mas de toda a sociedade (Nätkin 1994, 150–153 citada em Keski-Petäjä). Diferente do debate em demais países em que a religião figura um papel central na questão do aborto, por aqui o social e o crescimento demográfico eram a estrela da vez.

Em 1941 foi criado o Comitê do Aborto em que discutiam como controlar os altos números de abortos ilegais no país, o problema aqui não era o aborto em si, mas o declínio nas taxas de natalidade. Na época, apontaram questões sociais como a principal razão para uma mulher dedicir abortar (pobreza, sobrecarga de trabalho + vida familiar, etc). Foi então que no dia 1° de julho de 1950 uma nova lei é aprovada e quatro novas situações foram permitidas:

  • preservação da integridade física e/ou mental da mulher;
  • gestante menor de 16 anos;
  • o feto apresenta alguma deformidade;
  • vítima de estupro

Uma observação que chamou bastante a minha atenção sobre as razões por trás da criação dessa lei foi a urgência em aumentar a população através de políticas conhecidas como pró-natalidade. Na época era difundida a ideia de que a família ideal (para o crescimento da população pós-guerra) era de 6 filhos e combater o aborto ilegal – tornando-o legal! – foi apenas um dos pontos dessa política.

Nessa mesma época, a Finlândia vive uma modernização que não acompanha a idealização da mãe (de seis!) que trabalha fora e cuida do lar e uma pressão para mudanças e pelo direito de escolher (não apenas sobre seus corpos, mas sobre a quantidade de filhos… já em 1950 a média era de 2,5 filhos por casal nas cidades, tendência que se espalhou também para as áreas rurais) começa a ganhar força.

É então que no dia 24 de março de 1970 uma nova lei do aborto é criada. Essa é a lei que é válida até os dias de hoje (sofreu algumas alterações em 1978 e também em 1985).

Quem pode abortar?

Atualmente, a lei é bastante abrangente e são vários os casos em que um aborto pode ser solicitado. Ocorrem quase sempre até a 8ª semana de gestação através de medicamento. Para ter o aborto permitido a mulher precisa da liberação de dois médicos.

Abortos até a 12ª semana

  • Quando o nascimento, considerando a situação pessoal e familiar da mãe, apresentem à mãe uma carga considerável;
  • Vítima de algum crime como estupro e incesto;
  • Menor de 17 anos ou mais de 40;
  • Quando a mulher tem quatro ou mais filhos;
  • Quando a mãe ou o pai, ou ambos, possuem alguma doença séria que os impossibilitaria cuidar do filho.

abortos até a 24ª semana

Em raros casos o aborto é realizado após as 12 semanas de gestação, nessas situações, além do aval do médico é necessário a liberação do Valvira (órgão competente que funciona sob o Ministério da Saúde e Assuntos Sociais). Em 2019, apenas 7% dos procedimentos foram realizados após a 13ª semana. São as exceções:

  • Seguir com a gestação ou o parto possam oferecer riscos mentais e /ou físicos à gestante;
  • Há indícios de que a criança nascerá com alguma deformação física ou problema psicológico.

Motivos como relações familiares, situação financeira/trabalhista e planos futuros também podem ser usados como justificativa para realizar um aborto. As interrupções após a 12 semana são raras e só ocorrem em casos muito específicos. A decisão é apenas da mulher, o parceiro não é questionado e nem solicitado nesse momento, porém eles aconselham que haja uma conversa sobre o assunto antes de qualquer decisão. O mesmo acontece no caso da solicitante ser menor de idade, os pais não precisam estar presentes e os médicos são obrigados, por lei, a manter segredo. Uma vez que a vontade foi compartilhada, o médico marcará uma consulta no hospital em que o aborto ocorrerá. Essa consulta, na presença de uma enfermeira e um médico, serve para que a mulher decida de que maneira ela deseja interromper a gravidez (remédio ou cirurgia), como será o pós-procedimento e como evitar futuras gestações. Nessa reunião os profissionais mostram que outras alternativas, além do aborto, a mulher tem. Entre a segunda e quarta semana após o aborto ter sido realizado a paciente deverá retornar ao hospital para fazer exames de acompanhamento, inclusive psicológico. Todo o processo acontece através do sistema público de saúde e custa entre 50 e 80 euros.

Quantos abortos acontessem anualmente?

Segundo o THL (Instituto Finlandês de Saúde e Bem-estar), a Finlândia é o país nórdico com o menor índice de abortos e o número de procedimentos em menores têm caído significativamente a cada ano. São 8.2 abortos a cada mil mulheres, em número de bebês são 190 abortos para cada 1000 nascidos (2019).

THL, 2017. Número de abortos a cada mil mulheres com idades entre 15-49 anos

O site Abort Report traz uma série de gráficos atualizados sobre o tema nos diferentes países da Europa, caso você tenha interesse em saber mais sobre o assunto, recomendo a leitura! Além disso, todos os links clicáveis desse post são dos locais onde retirei as informações para escrever esse texto.

2 thoughts on “Aborto na Finlândia – como funciona

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